quarta-feira, janeiro 28, 2009

2 horas na Alemanha - A espera

-É na 807 Sul, mãe...
-Finlândia, Dinamarca... ALEMANHA! Quer que eu entre com você?
-Er... Se você quiser, pode entrar, mas tanto faz, sou indiferente.
-Você quem escolhe.
-Então não, acho melhor eu ir sozinha.

Passei pela portaria, deixei um documento, recebi um crachá e um papel que precisaria ser assinado. Passei pelo detector de metais, abri minha bolsa e ouvi que tenho muuuuitas canetas no estojo. Tudo isso por pessoas de olhos claros. Até ali, meus olhos deveriam ser bem bonitos, afinal, a gente só gosta de olho azul porque não vemos muitos por aí, mas lá não se viam muitos olhos castanhos.

-Debaixo do prédio, sobe a escada a direita.
-(?) Tá, brigada!

A informação poderia ser mais simples e correta: Direita, direita!

Alemão, alemão, alemão, alemão...
-Guten Tag!
-Guten Tag, onde eu faço o requerimento do visto?
-Ali, empurra essa porta.
-Er... tô empurrando.
-Empurra com força.

A porta de vidro e aço devia pesar pelo menos 4 vezes o meu peso. A sala era clara, com janelas grandes que davam para o lado de fora e 2 janelinhas por onde você via os funcionários. As cadeiras eram vermelhas. Lá dentro, um cara de camisa preta, barba e cabelo desgrenhado com um monte de papel espalhado ao seu redor.

"História, Filosofia ou Sociologia."
-Opa, se você quiser sentar aqui, eu termino de preencher ali.
-Não, tudo bem, ainda nem comecei a preencher os meus.

Mas ele mudou de lugar mesmo assim, eu sentei no lugar dele e comecei a preencher aquela papelada toda. Tudo em 2 vias. Eu estava nervosa, seria a primeira vez que eu manteria uma conversa em alemão com alguém que não fosse... Eu mesma.

-Mãe, o que você tá fazendo aqui?
-Credo, você esqueceu o dinheiro comigo.
-Ok, agora tchau!
E foi...

"Heh, vou enrolar pra terminar meus formulários, daí ele vai primeiro, eu fico sozinha na sala e fico mais tranqüila."

O pensamento não dura tanto, chega a mocinha de tatuagem de flores nas costas:
-Oi, pode sentar aqui, tô só preenchendo. - E fui sentar ao lado do cara sem pente. Na hora de levantar a cadeira eu percebo que ela pesa tanto quanto a porta. Alemães devem ser todos muito fortes...

Curiosa que sou, fiquei ouvindo pra saber o que ela foi fazer lá. Buscar o visto que tinha chegado. Eles enrolaram, enrolaram, enrolaram, enrolaram, enrolaram e enrolaram mais um pouco. Nesse meio tempo chegou um senhor de terno, maleta e cara de quem leva tudo a sério demais.

"Fodeu, vou ter que deixar todo mundo passar na minha frente pra ficar sozinha aqui."

Entregaram o visto dela. Ela era bem bonita, ou as tatuagens eram bonitas...

-Oi, mas meu visto não era pra 6 meses? Aqui diz apenas 3. - E eu quase levantei o braço pra falar "eu sei, eu sei" como uma criança desesperada querendo mostrar à turma inteira que estudou em casa. Essa era simples, com essa autorização de 3 meses ela entraria na Alemanha, iria à Ausländeramt (Secretaria de Estrangeiros?) e prorrogaria o visto. O cara explicou, ela não entendeu, perguntou, ele explicou de novo e ela foi embora. Durante toda essa enrolação, o desgrenhado conversava com o homem da maleta, que era brasileiro mas que tinha mais sotaque do que se ele realmente fosse alemão.

Doutorado em Física na Alemanha. Doutorado... em física... em alemão... na Alemanha... Dividam o choque comigo: dou-to-ra-do, fí-si-ca, a-le-mão, A-le-ma-nha! DOUTORADO EM FÍSICA, NA ALEMANHA! Imaginem, por favor, o cérebro dessa pessoa, quer dizer, doutorado já não é algo que as pessoas fazem todos os dias, ainda mais em física, e muito menos em alemão. E eu achando, só por causa do cabelo desgrengado e da barba, que ele era algum estudante de História querendo conhecer o mundo. Shame on me, como fui rápida em prejulgar.

Entregou os papéis, recebeu papéis, fez perguntas, respondeu perguntas, pediu mais explicações, me deu tchau (?), foi embora. Depois de tanto fingir que tinha papéis a preencher, uma hora eu já nem tinha mais como fingir, quer dizer, eu pareceria uma retardada escrevendo no ar. Mas o mal educado da maleta nem quis saber, foi na minha frente mesmo sabendo que eu já tinha terminado e que eu já estava lá antes. Ok que eu diria pra ele ir na minha frente, mas a educação manda um abraço.

Estudou na Alemanha, trabalha com universidades lá, e a cada 3 meses pisa em solo alemão pra fazer um tratamento médico que só existe lá. Fiquei imaginando se seria câncer, pela cara de mal humorado pensei que fosse de próstata. Ou talvez ele tenha alguma doença rara... Ele queria ir morar lá logo depois que recebesse a aposentadoria dele aqui. E eu queria não ouvir as conversas alheias. Ele não levou documento algum, ele foi ali somente pra perguntar o que deveria fazer. Não é por nada, mas ele poderia ter feito isso tudo pela internet. Enrolaram...

Chega um farrancho. FARRANCHÃO! Um alemão gordo, bigodudo e rosado; um garoto de no máximo 1 ano; a mãe, que era feia de doer e usava uma roupa tão curta que quase fez com que eu me sentisse uma freira por usar calças; e 2 aways que provavelmente foram só pra ver a embaixada.

Como característico de todo farrancho, faziam barulho, falavam alto e não pensavam muito antes de falar. Aliás, falavam alto e dos outros. Se questionavam sobre o sotaque do homem sério, que by the way estava começando a ficar visivelmente incomodado. A mãe tratava o garoto como se ela fosse um peso, coitado. Eu não sei se era o tédio de ficar ali sentada, mas eu julguei todo mundo, e não consegui achar nenhuma linha de raciocínio que não levasse á conclusão de que a mulher era prostitua. Shame on me²³! Talvez nem fosse, mas as histórias que eu imaginei pareciam mais interessantes assim.

Eu já nem conseguia mais prestar atenção no brasileiro-alemão. Mas sei que ele foi enrolado um bocado, talvez por castigo. Internet, a embaixada tem site e tem informações lá. Quando ele finalmente foi embora, eu percebi que não conseguiria resolver nada com aquela farofada (sem farofa), e deixei eles irem na minha frente. Ai, como eu estava boazinha. Minha mãe, coitada, provavelmente estava dormindo no carro.

Acho que por não saber falar potuguês direito, o alemão gorducho começou a conversar em sua língua materna com o funcionário. A mulher, mais xarope que xarope, ficava cutucando e perguntando pro homem rosa o que ele tava falando. Santa inconvêniência. Eu não me segurava, e ficava tentando enteder tudo o que eu conseguia. E eu até que entendi bastante, analisando bem o contexto eu conseguia captar muita coisa. As vezes ele perguntava algo em português à mulher e depois voltava a falar em alemão. Ele queria saber como levar a esposa e o filho pra morar com ele lá. E perguntou quais documentos precisava...

POR QUE DIABOS ESSAS PESSOAS NÃO PROCURAM AS COISAS NA INTERNET? Quer dizer, eis que o cara da embaixada pergunta se ele tinha levado um formulário. Claro que não! Eu imprimi em casa 3 cópias de cada um, e só não preenchi tudo porque tinha algumas dúvidas. O cara entregou um formulário pra ele e a mulher ficou tentando pegar o microfone achando que fosse a caneta.

Aí eu já estava com dó da minha mãe, com sede e de saco cheio. Emprestei uma caneta e entoei algum mantra do tipo "terminem logo, terminem logo, terminem logo, PORRA!" Demorou, aliás, demorou bastante. No meio dessa demora toda, sabe-se lá porque, enquanto o cara conversava com o outro e a mulher cutucava, ela apelou. Mulher é curiosa, não se pode negar. Imaginem uma mulher, maluca, ouvindo o marido(?) falando alemão sobre ela e o filho, perguntando o que é e não obtendo resposta. Ela pirou, começou a falar palavrão, bateu o pé e eu senti tanta vergonha alheia que até encolhi na cadeira.

Finalmente eles foram embora, e não importa que entrasse ali, eu faria essa porcaria de entrevista de uma vez por todas.

Continua...