quarta-feira, março 25, 2009

Talking 'bout my generation

Acordei com uma música muito boa, porém alta, muito alta. Tão alta que interferiu nos meus sonhos. Vinha do andar de cima, vizinho novo. Twittei sobre a situação e fui de pijama mesmo. Toquei a campainha já pensando no discurso. Atendeu um cara de uns 25 anos, normal, nem feio nem bonito. Charmoso, cabelo de quem acabou de acordar, barba por fazer, escova de dente na mão, boca cheia de espuma. só de cueca e meia. O volume tava alto, era preciso falar alto.

-Oi, bom dia.
-Bumdia.
-Eu odeio ser a chata...
-Hm...
-... mas você me acordou, e...
-Hm...
-... eu gosto de The Who, mas...
-Gusxtca?
-Heim?
-Gusxtca?
-HÃ?
-GUSXTCA?

Impossível entender alguém com a boca cheia de espuma de pasta de dente num ambiente com som alto.

-Se você puder cuspir essa pasta de dente, ficaria mais fácil.

Balançou a cabeça positivamente, me puxou pra dentro do apartamento e fechou a porta. Legal, fui parar no apartamento de um psicopata. Ele foi em direção ao banheiro e eu fiquei parada na sala. Pelo menos eu não precisava mais tentar não encarar a cueca dele. Branca, boxer, Calvin Klein. "Vou falar logo e dar o fora!"

-Ah, então, eu não gosto de ser chata, ainda mais com essas coisas. Você me acordou...
-GOSTA? - gritou logo depois de cuspir a pasta.
-Gosto do quê?
-Errerru - Com a boca cheia de água e bochechando.
-Hã? Olha, eu só vim até aqui porque eu tava dormindo, de boa na canoa, sonhando com alguma coisa boa, mas você me acordou! Eu não gosto de ser a reclamona, inclusive gosto muito de Who, mas, porra...
-Gosta? - depois de cuspir a água e secando a boca.
-Gosto do quê?
-De The Who! Você é surda?
-Como assim eu sou surda? Você fica falando com a boca cheia e eu tenho que entender? De qualquer forma, eu não vim pra discutir, eu só vim pra...

Ele apareceu no corredor, ainda só de cueca. Puxou uma cadeira e sentou. Impossível não olhar pra cueca dele. Branca, boxer, Calvin Klein.

-Eu só vim pra... pra... - Descaradamente encarando.
-Veio pra quê? Pra olhar minha cueca? E você gosta ou não?
-Você bem que podia colocar uma roupa, né? Eu estou tentando conversar!
-Você tá de pijama e eu não posso ficar assim? E foi você quem veio bater na minha porta, estou na minha casa.
-Mas meu pijama é decente e você não deveria atender a porta assim.
-Decente se você estiver no meio da Sapucaí durante o carnaval. E, além do mais, é engraçado constranger as pessoas.
-Ótimo, vim parar no vizinho maluco.
-Veio porque quis. Poderia estar em casa, dormindo.

Me irritou, de verdade! Me enrolando, o som alto, e com cara de cínico? Aumentei ainda mais meu tom de voz, e tenho certeza de que arregalei os olhos.

-Olha, é isso que eu tô tentando dizer, eu estava dormindo...
-Sim, isso eu já entendi, mas você ainda não respondeu minha pergunta. Gosta?
-Ai, caralho!
-Tá olhando pra ele...

Me deixou vermelha, roxa, listrada. Resolvi falar baixo, se ele não me entendesse, acabaria abaixando o volume e eu indo embora. Não adiantou, o fela da mãe entendeu tudinho.

-Gosto de quê? Poxa, eu quero dormir. Vim aqui nessas condições pra te dizer que...
-Seria engraçado se você se declarasse uma stalker apaixonada por mim.
-Não sou.
-Eu sei, mas seria engraçado.
-Mas não vai acontecer. Então, eu quero pedir pra você abaixar o som. Eu gosto de Who, eu gosto mesmo, mas o volume tá MUITO alto e me acordou. Você quer deixar todo mundo surdo? Juro que nem é implicância chata de vizinho, já que a música é boa. Eu quero dormir!
-Então você gosta?
-PQP, gosto de quê?
-De Who!
-Gosto, ué, já disse. Mas, por favor, ab...
-Se você gosta, a música não é o que está incomodando, certo?
-Certo, o problema é com o volume.
-Você espera que eu escute Who em volume baixo?
-Não, eu não escutaria...
-Viu.
-Mas não precisa arrebentar todas as paredes do condomínio às 8h30 da manhã.
-Então, só porque eu te acordei, vou ter que escutar Who num volume baixo?
-Não precisa ficar baixo...

Percebi que já nem lembrava da cueca dele quando ele levantou e veio andando na minha direção. Desesperei, definitivamente, fui tocar a campainha logo do psicopata do prédio. Parou há menos de um passo de mim.

-Se não fica alto, como fica, então?
-Er...

Me entregou um controle remoto.

-Não se esqueça que é Who.

Olhei no visor, o volume estava no 98. 98 de 100. Por que alguém escutaria no 98? Vai ver ele tem TOC, a diferença pra 100 é mínima. Coloquei no 70, ainda alto, não perturbador. Como era bom falar em um tom normal...

-Pronto, assim tá bom. Foi bom negociar com você e resolver esse problema. Tenha um bom dia...
-Perae, não vai pensando que vai sair assim...

Socorro!

-Você escolheu o volume, que não é apropriado à música...
-Já pensou em headphones?
-Já, não sei onde ele estão. De qualquer forma, agora vou precisar trocar de música, e como quem escolheu o volume foi você, vai escolher a banda também.
-Não vou escolher nada, vou pra minha cama dormir. Bom dia!
-Nananina-não. - Se colocando em frente à porta.
-Puts grila, eu vou gritar!
-Se você gritar, eu te deixo ir embora e aumento o volume outra vez. É tudo violação sonora.
-QUÊ? TÁ LOUCO?
-Isso mesmo, sua hipócrita, vem aqui me mandar abaixar o volume e resolve gritar?

Revoltei, queria arrancar a cabeça dele e pendurar na minha parede. O resto do corpo eu jogaria aos leões do zoo.

-PQP, você é muito chato. Sério, eu vim aqui, de boa, pra te pedir pra diminuir um pouco o volume. Só um pouco, pra garantir que o prédio não vá cair. Eu podia ter ligado pra síndica!
-Então eu posso ouvir música alta, só não alta demais.
-Claro que pode, eu escuto música alta, eu toco até guitarra, é só não exagerar. Ninguém nunca reclamou comigo.
-Você pode tocar guitarra num volume alto e eu não posso ouvir Who? Você por acaso toca melhor que o Pete Townshend?
-Não, e não é tão alto assim.

Ele riu. Cínico!

-Ahhhh, vá pro inferno!
-E se eu fosse um pouco surdo? Como eu saberia que está alto demais? Você me mandaria pro inferno do mesmo jeito?
-Não!
-Então eu sou surdo do ouvido esquerdo.
-ENTÃO VÁ SE FODER! -gritei no ouvido direito dele - Conseguiu ouvir isso?
-Eu até iria, mas preciso de música apropriada. Você escolheu o volume e a situação, escolhe a banda.
-PQP, sério, tô indo embora!

Ele abriu o armário. Tinha tanto CD que eu não consegui disfarçar meu queixo caindo.

-Vai, escolhe.
-Não, eu quero ir dormir. Eu preciso dormir, fui deitar às 4h da manhã e acordei ás 8h com um maluco tentando estourar meus tímpanos.

Fui pra porta e... CADÊ A CHAVE? Fiquei com medo e mais raiva.

-Cadê a chave? Me deixa ir embora.
-Só depois que você escolher um CD.
-Não vou escolher nada enquanto você não me entregar a chave.
-Se não escolher um CD, vai ter que pegar a chave sozinha.

Aí eu lembrei que ele não tinha bolsos, e a chave não estava nas mãos.

-Espero que esteja em cima da estante. - começando a procurar.
-Você sabe onde está. - andando em direção a mim, outra vez. Parou ainda mais perto que antes. - Escolhe um CD e eu abro a porta.

Eu queria chorar, nem queria mais gritar. Ficava me perguntando como eu fui parar naquela situação. Que coisa ridícula. Eu, trancada na casa de um vizinho maluco que tem bom gosto musical. Comecei a rir, desesperadamente. Resolvi escolher um CD e correr de lá. Tinha tanto CD que eu me vi indecisa quando não podia, precisava que escolher rápido.

-Tá rindo de quê?
-Da situação.

Vi um Pablo Honey, do Radiohead. Peguei e entreguei pra ele, esperando que ele abrisse a porta.

-Não vale, você não pensou, não é bom pra ouvir nesse volume, estou muito alegre pra isso, e eu acabei de voltar do show deles, não estou a fim de ouvir.

Fiquei puta! Pensei um pouco, olhei os CDs, fiquei com invejinha. Achei um London Calling. É um dos meus favoritos.

-Toma, Clash é bom pra ouvir alto sem precisar ensurdecer os vizinhos.
-Hm... Boa escolha. - E ficou encarando a capa.

Nessa hora alguém chegou e destrancou a porta. Era outro homem, com cara de quem tinha acabado de chegar de uma festa. Cara, cheiro e roupa. Ele me encarou com olhos arregalados, olhou pro amigo psicopata (se não é amigo é marido), e me olhou outra vez. Me espremi entre ele e a porta e saí dali sem nem olhar pra trás. Só ouvi o maluco dizendo "Nem te conto". Resolvi não esperar o elevador, vim pelas escadas. Cheguei em casa, deitei na cama, perdi o sono.



P.s: Em momento algum tocou My Generation. A música que me acordou foi Baba O'Riley.


sexta-feira, março 20, 2009

69

Eu estava chorando mais do que o normal. Percebi que minha vida está de cabeça pra baixo. Tentei resolver. Não adiantou. Decidi bancar a esperta pra cima dela e acompanhá-la. Resolvi deixar tudo virado pro mesmo lado.

Plantei bananeira.

Senti que as lágrimas demoraram mais pra sair. Voltei à posição normal.
Ela de ponta cebaça. Eu de cabeça pra cima.

E chorei.